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Dicas de Escrita Técnica - parte 01

Normalmente quando me perguntam sobre como escrever documentações melhores indico esse curso introdutório de escrita técnica da Google. Baseado nisso, vou compilar alguns dos pontos que considero importantes.

Como o curso é em inglês (e focado no inglês) tomei a liberdade de fazer uma tradução livre e adaptar alguns exemplos :)

Palavras

Dicas relacionadas a palavras (que vou chamar de termos também) na documentação.

Defina termos novos (ou que não são familiares pro público alvo)

Sempre que tiver escrevendo uma documentação, fique atento a termos que podem não ser familiar (ou novos) pra seu público alvo. Para esses casos, pode usar duas abordagens:

  • Se o termo já existe, aponte para um link de uma boa explicação (não precisa reinventar a roda).
  • Se o documento em questão tá introduzindo o termo, defina o termo. Se perceber que está definindo termos demais, separe todas as definições em um glossário.

Use termos de forma consistente

Se você alterar o nome de uma variável no meio de um método, seu código não vai compilar. Da mesma forma, se você renomear um termo no meio de um documento, suas ideias não serão compiladas (na cabeça dos usuários).

Moral da história: aplique a mesma palavra ou termo de forma consistente durante todo o seu documento.

Use acrônimos de forma apropriada

No primeiro uso de um acrônimo desconhecido em um documento ou seção, soletrar o termo completo e em seguida colocar o acrônimo entre parênteses. Coloque a versão soletrada e a sigla em negrito. Por exemplo:
“A Cloud Native Computing Foundation (CNCF) hospeda componentes críticos da infraestrutura tecnológica global.”

Dai em diante você pode usar apenas o acrônimo sem problemas.

Sentenças curtas

Na escrita de código, normalmente tentamos diminuir a quantidade de linha pelos seguintes motivos:

  • Código mais curto normalmente é mais fácil de ser lido por outras pessoas.
  • Código curto normalmente é mais fácil de manter.

Na escrita técnica temos razões similares pra escrever sentenças menores:

  • Documentação curta permite uma leitura mais rápida.
  • Documentação curta é mais fácil de manter.

Em resumo: sentenças mais curtas comunicam de forma melhor que sentenças longas além de normalmente serem mais fáceis de entender.

Foque em uma única ideia por sentença

Foque cada sentença em uma ideia, pensamento ou conceito. Assim como as instruções de um programa executam uma única tarefa, uma sentença deve representar uma única ideia.

Converter sentenças longas em listas

Sentenças longas podem ser convertidas em listas para mais clareza. Por exemplo, quando você ver a conjunção OU em uma sentença longa, considere reescrever a sentença em uma lista com marcadores (conhecidas como bullets)

Listas e Tabelas

Boas listas podem transformar informações caóticas em algo ordenado.

Escolha do tipo de lista

Normalmente existem os seguintes tipos de listas:

  • Listas com marcadores
  • Listas numeradas
  • Listas embutidas (do inglês embedded)

Use uma lista com marcadores para itens não ordenados e lista numeradas para itens ordenados. Resumindo:

  • Se você bagunçar os itens de uma lista com marcadores, o significado da lista não vai mudar.
  • Se você bagunçar os itens de uma lista numerada, o significado da lista vai mudar

Uma lista embutida contém itens inseridos em uma frase. De modo geral, listas embutidas são uma forma inadequada de apresentar informações técnicas. Sempre que possível, tente transformar em uma lista com marcadores ou numerada.

Comece itens de listas numeradas com verbos no imperativo

Considere começar itens de listas numeradas com um verbo no imperativo. Um verbo imperativo é um comando, como abra ou inicie.

Pontue os itens adequadamente

A recomendação do guia de estilo de desenvolvimento da google é começar cada item da lista em caixa alta (com a primeira letra em maiúsculo).
Se a lista é uma sentença use a pontuação adequada no final, por exemplo:

  1. Abra o navegador.
  2. Digite google.com na barra de pesquisa.

Crie tabelas úteis

Tabelas são bem úteis, de uma página contendo muitos parágrafos e uma tabela, normalmente os olhos se voltam para a tabela.

Algumas recomendações:

  • Nomeie as colunas com um nome que tenha significado. Não faça os leitores adivinharem o que cada coluna contém.
  • Evite colocar muito texto em uma célula da tabela. Se uma célula da tabela contiver mais de duas sentenças, se pergunte se essa informação não pertence a outro formato.
  • Embora as colunas possam conter diferentes tipos de dados, busque o paralelismo dentro de colunas individuais. Por exemplo, as células dentro de uma coluna específica da tabela não devem ser uma mistura de dados numéricos e artistas de circo famosos.

Introduza listas e tabelas

É recomendado introduzir as listas com tabelas com uma sentença que explique para os leitores o que a lista ou a tabela apresenta. Termine a sentença introdutória com dois pontos ao invés de ponto final.

Parágrafos

De todas as dicas relacionadas a escrita de um bom parágrafo (parágrafos curtos, único tópico por paragráfo e por ai vai) vou deixar a que considerei a mais importante.

Responda o quê, por que e como

Bons parágrafos respondem as três questões abaixo:

  1. O quê você está tentando dizer para seus leitores?
  2. Por que é importante para o leitor saber disso?
  3. Como o leitor deve usar esse conhecimento?

Público alvo

Talvez um dos pontos de mais importância nessas dicas, o curso inicia essa seção com uma equação que resume bem:

boa documentação = conhecimento e habilidades que o seu público alvo precisa pra fazer uma tarefa - conhecimento e habilidade atuais do seu público alvo

De forma resumida: garanta que sua a documentação forneça a informação que o seu público alvo precisa mas não tem.

Defina seu público alvo

Definir o público alvo gasta um tempo considerável da definição de uma documentação, podendo envolver pesquisas, estudo de experiência do usuário e testes de documentação. Como provavelmente você não vai ter muito tempo pra fazer isso, o curso usa uma abordagem mais simples.

Comece por identificar o papel do seu público alvo na organização, alguns exemplos:

  • Engenheiros de software
  • Funções técnicas mas que não são engenheiros (como gerente de projeto)
  • Cientistas
  • Posições não técnicas

Os papéis por si só são insufientes pra definir seu público alvo (infelizmente nem todo mundo que exerce um mesmo papel tem o mesmo conhecimento). Ou seja, você também deve levar em conta a proximidade do público alvo com o conhecimento.

Abaixo um exemplo de uma análise fictícia para o público alvo de um projeto de uma plataforma de observabilidade. O público alvo se enquadra nas seguintes funções:

  • Site Reliability Engineers
  • DevOps Engineers

O público alvo tem a seguinte proximidade com o conhecimento:

  • O público alvo já conhece sobre a stack da Grafana que é similar a plataforma que vai ser desenvolvida.
  • O público alvo já tem conhecimento de lógica de programação e scripting com Python, mas o projeto vai usar Golang então alguns membros do time vão precisar de um reforço em desenvolvimento.

Determine o que o seu público alvo precisa aprender

Escreva uma lista de tudo que seu público alvo precisa aprender para atingir seus objetivos. Em alguns casos, a lista deve conter tarefas que o público alvo precisa realizar. Por exemplo:

Após ler a documentação, o público alvo vai saber fazer as seguintes tarefas:

  • Configurar um datasource no Grafana
  • Criar uma dashboard no Grafana
  • Exportar o .json de uma dashboard no Grafana

Repare que em alguns casos o público alvo precisa aprender a realizar tarefas em alguma ordem. Por exemplo, o público alvo precisa aprender sobre datasources no Grafana antes de criar e configurar dashboards.

Adapte a documentação para seu público alvo

Escrever para atender as necessidades do seu público alvo requer empatia. Lembre-se que você deve criar explicações que satisfaçam a curiosidade (ou necessidade) do público alvo, não a sua. Abaixo alguns aspectos para se atentar ao adequar a documentação para seu público alvo.

Vocabulário e conceitos

Adapte o vocabulário para seu público alvo. Esteja atento à proximidade. As pessoas da sua equipe provavelmente entendem as abreviações da sua equipe, mas será que as pessoas das outras equipes entendem essas mesmas abreviações? À medida que seu público alvo aumenta, presuma que você deve explicar mais.

Curse of knowledge (em bom português, maldição do conhecimento)

Os especialistas muitas vezes sofrem com a maldição do conhecimento, o que significa que a sua compreensão especializada de um tópico arruína as suas explicações aos recém-chegados. Como especialistas, é fácil esquecer que os novatos não sabem o que vocês já sabem.

Para ler mais sobre curse of knowledge: https://en.wikipedia.org/wiki/Curse_of_knowledge

Neutralidade cultural

Mantenha sua escrita culturalmente neutra, sem o uso de expressões idiomáticas. Não exija que os leitores entendam como funciona o Campeonato Brasileiro de Futebol pra entender como funciona um software.

As expressões idiomáticas estão tão profundamente arraigadas em nossa fala que o significado especial não literal das expressões idiomáticas se torna invisível para nós. Ou seja, as expressões idiomáticas são outra forma da maldição do conhecimento.

Observe também que algumas pessoas do seu público usam software de tradução para ler sua documentação. Softwares de tradução tendem a ter dificuldade em traduzir expressões idiomáticas.

Documentos

Dicas relacionadas a como transformar as frases e parágrafos em um documento que faça sentido pro leitor.

Indique o escopo do seu documento

Um bom documento começa definindo bem seu escopo. Por exemplo:

Esse documento descreve a arquitetura de CI/CD das aplicações de produção.

É melhor ainda quando além disso o seu documento define o que não faz parte do escopo, e que talvez o público alvo poderia esperar que cobrisse. Por exemplo:

Esse documento não descreve a configuração da ferramenta usada para CI/CD das aplicações de produção.

Definir o que está e o que não está no escopo, não ajuda só ao leitor mas também a quem está escrevendo. Quando estiver escrevendo sempre foque no que foi definido no escopo pra garantir que está satisfazendo o que foi proposto.

Indique o público alvo

Um bom documento especifica explicitamente o seu público. Por exemplo:

Este documento é destinado aos seguintes públicos:

  • Engenheiros de software
  • Gerentes de projeto

Além de especificar o público, você pode especificar também qualquer conhecimento ou experiência que é pré-requisito. Por exemplo:

Esse documento assume que você tem conhecimento em Github Actions.

Faça um resumo dos pontos principais no início

As pessoas não precisam (ou querem) ler uma documentação de 10 páginas sobre um projeto pra entender como funciona. Imagine um cenário em que as pessoas vão ler apenas o primeiro parágrafo, então garanta que o início do documento responde todas as perguntas essenciais.

Faça comparações e contrastes

Fazer comparações das suas ideias com conceitos que seu público já conhece pode ajudar bastante no entendimento. Por exemplo:

O Terraform resolve o mesmo problema que o CloudFormation, mas de uma forma mais completa e fácil de usar.

Conclusão

E a dica mais valiosa de todas: se você está em um contexto onde as documentações são as pessoas, seja a primeira pessoa a puxar o bonde pra mudar isso!
Não precisa ser a melhor documentação do mundo, precisa ser o pontapé inicial.

Isso é tudo por agora, e como citei no começo, isso é apenas um resumo com os pontos que considero essenciais do curso, você ainda pode fazer o curso (que é gratuito!).
Em breve devo publicar a parte 02 (que é relacionada ao segundo curso).

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